Revista Opinião Filosófica, v. 15, n. 1, 2024
DOI: https://doi.org/10.36592/opiniaofilosofica.v15n1.1149
DatasRecebido: 05/12/2023Aprovado: 12/04/2024Publicado: 15/04/2024
Nossas amizades e relações são sistemas.
Nossas comunidades são sistemas. Vamos além.
Adrienne Maree Brown
No presente artigo, Erik Bordeleau apresenta, como forma de resistência anárquica à lógica capitalista, o projeto d’A Esfera no qual está envolvido. Para o autor, A Esfera pode ser entendida com um espaço virtual de trocas entre processos artísticos e práticas de financiamento, cuja raiz vem de uma necessidade de ressignificar o sentido e o uso dos meios digitais. Afirma também que o projeto está interessando, especificamente, em promover a integração de criadores, produtores e o público, possibilitando um ecossistema que facilita o alinhamento entre interesses e propósitos através de um espírito de generosidade especulativa. Para tanto, o autor se utiliza de reflexões de renomadas figuras do meio intelectual, como, por exemplo, Deleuze e Guattari, Hito Steyerl, Jean-Luc Nancy, Jacques Rancière e Yuk Hui, fundamentalmente, para propor a defesa da necessidade de um novo olhar para a tecnologia crypto e blockchain, considerando a descentralização proporcionada pela DAOs e pela Web3. Gerar novas formas de organização rizomática, ao invés de noções nostálgicas de organização de massas, acaba por produz a possibilidade de codificar relações de equidade através de vetores de participação mútua.
Palavras-chave: A Esfera; Anarquia; Tokenização; Blockchain; Arte Performática.
In this article, Erik Bordeleau presents, as a form of anarchic resistance to the capitalist logic, The Sphere project in which he is involved. For the author, The Sphere can be understood as a virtual space for exchanges between artistic processes and financing practices, whose root comes from a need to give new understanding to the meaning and use of digital media. He also states that the project is specifically interested in promoting the integration of creators, producers and the public, enabling an ecosystem that facilitates the alignment between interests and purposes through a spirit of speculative generosity. Therefore, the author uses reflections from renowned figures in the intellectual world, such as, for example, Deleuze and Guattari, Hito Steyerl, Jean-Luc Nancy, Jacques Rancière and Yuk Hui fundamentally to propose the defense of the need for a new look at crypto and blockchain technology, considering the decentralization provided by DAOs and Web3. Generating new forms of rhizomatic organization, instead of nostalgic notions of mass organization, ends up producing the possibility of codifying relations of equity through vectors of mutual participation.
Keywords: The Sphere; Anarchy; Tokenization; Blockchain; Performative Art.
Você os vê em todos os lugares: grupos digitais – e outros nem tanto – saindo de um sistema atado a um funcionamento repetitivo, preso aos jogos de soma zero que custam antes, entre outras coisas, as condições de subsistência planetária. São coletivos metamórficos que geram ambientes colaborativos e reconhecem uma maior gama de contribuições de valor e partilha de recursos para a construção de economias orientadas para o comum1. Quais sistemas econômicos podemos tatear ao explorarmos a WEB 3.0, sistemas que nos forneçam novas possibilidades de mundo e recursividade intensas? E como podemos integrar retornos sobre investimento (ROIS - return on investment) interespécies e intergeracionais nos nossos futuros sistemas de contabilidade, como uma forma de não abandonar nenhuma externalidade?
O advento da blockchain e de recursos computacionais de registro distribuído nada mais são do que um novo capítulo da longa e cinzenta história do arquivo, práticas de arquivamento e confiança institucional que remontam à origem da escrita. Sua emergência catalisou uma ampla gama de especulações e experimentações em torno dos novos modos de valoração coletiva e auto-organização em escala, frequentemente definidos como DAOS (Distributed Autonomous Organizations – Sistemas Autônomos Descentralizados). Para o público geral, crypto é sinônimo de um frenesi hiper capitalista e um apetite interminável por esquemas de pirâmide. Mas, no contexto deste artigo, crypto será associado com possibilidades de experimentação, com novas formas de governança digital, como uma inovação tecno-social que aponta para um “sistema operacional para a próxima geração de instituições humanas,” como postula Nathan Schneider do Movimento de Plataforma Cooperativista2. Similarmente, Ruth Catlow e Penny Rafferty, os editores da revista Radical Friends: Decentralised Autonomous Organisations and the Arts, um volume que oferece uma pesquisa extensa das diferentes arquiteturas peer-led da Web3, que derivam do mundo da arte, na qual os autores argumentam que “Os DAOs podem fornecer os instrumentos necessários (para aqueles com o conhecimento e a experiência de organização de modos de justiça econômica) para criar experimentos em escalas variáveis com cidadãos, trabalhadores e consumidores, modulando o sistema para o interesse comum.”3
Em um mundo que se move cada vez mais na direção de uma fragmentação social, a forma com que criamos modos tecno-sociais de interlocução se tornou crucial. Há diversos desafios: terraplanar novas passagens entre a microescala da presença coletiva e a macro escala das agregações da mídia; gerar novas formas de organização rizomática, que crescem de materialidades do século XXI, ao invés de noções nostálgicas de organização de massas e, ainda, talvez, recuperar um pouco da prudência das sociedades anônimas, isto é, a possibilidade de codificar relações de equidade através de vetores de participação mútua. O que está em jogo aqui é a operacionalização de empreitadas orientadas para o comum através da autoprodução de valor que é gerada em si mesma.
O comum e as formas de integração comunitária compreendem um amplo campo de discussão. O que acontece com a ideia de (infra)comum, ou como coloco em meu livro, “Como salvar o comum do comunismo”, definido como comum liminar e sensível, quando encontra o impulso consolidador proporcionado pela Web3?4 O que acontece com a experiência de partilhar quando é confrontada com a necessidade prática (isto é, organizacional) de distribuição e é mirada sob um contexto de governança digital, fluxos monetários alternativos, ou de certa maneira ações hápticas, derivadas e anárquicas? Ou para resumir sugestivamente, o que está na linha de uma filosofia especulativa e pragmática da possessão [pragmatic of possession]: como tomamos parte?5 Há, na linha conceitual do famoso livro de Jacques Rancière “Le partage du sensible” (A Partilha do Sensível), uma tensão inerente entre a arte de partilhar o sensível, e sua distribuição concreta. Desperta meu interesse o fato de que o livro de Rancière tenha sido traduzido como a “A Distribuição do Sensível”6 e não “A Partilha do Sensível”, como teria feito espontaneamente, isto é, “relacionalmente”. O pharmakon das partes distribuídas (ou, talvez, simplesmente atribuídas, como um airdrop de tokens?), em um esforço coletivo, é uma amarra realista-possibilitadora no que diz respeito a modos de contabilidade e organização que são contributivos, responsivos e prospectivos, e que conseguem se manter com sucesso. O afeto ético proverbial, “arriscar a própria pele”, não pode ser subestimado.
A liquidação operacional que essa partilha do sensível pressupõe traz perguntas complexas em torno do valor da soberania e da propriedade.7 Catalisando o poder da tokenização, os DAOs prometem transformar a economia em uma pergunta de design: programar novas formas de governo – com as operações de acumulação de valor – ao causar um curto-circuito em suas bases estatais e legais. é um movimento no qual libertários e cypherpunks, inicialmente sob o slogan ‘Code is Law,’8 misturam-se com jovens bem-intencionados que aceitaram, de maneira um pouco literal demais, a possibilidade evocada por Thomas Piketty, no seu “Capital in the Twenty-First Century”9, de atacar as desigualdades sistêmicas não as abolindo, mas estabelecendo novas formas de propriedade – sociais, fractais, especulativas, mas também temporárias e, claro, “descentralizadas”.
O que está em jogo aqui, de um ponto de vista cripto-financeiro, é o processo de incorporação de formas de valor (forms-of-value), isto é, a codificação digital ou legal na qual um ativo é concluído, securitizado, monetizado, em uma palavra, contingencializado. A cripto-economia se preocupa com a reinvenção das formas pelas quais nós nos incorporamos nessas colagens duradouras dividuais.10 Uma economia fundada na blockchain torna possível emitir tokens cujos protocolos podem levar a diversos direitos de governança e propriedade, levando à formação de novas formas de valor baseadas em redes. Discretizar valor através da tokenização permite gerar novos jogos de colaboração que efetivamente traduzem as intenções organizativas em um conjunto de incentivos e atratores combináveis semiautônomos. Rhea Myers, uma artista hacker que tem sido a pioneira na exploração da tecnologia blockchain, narra de maneira brilhante os desafios críticos e possibilidades que as DAOs trazem em termos de explicar as regras de funcionamento de sistemas econômicos sob os quais nos debatemos:
DAOs quase inevitavelmente envolvem tokenização, a representação de recursos como ativos finitos, definidos como moedas. Críticas dessa financeirização são fáceis, mas devemos ir além. DAOs e a blockchain em geral são índices de nosso imaginário econômico contemporâneo. O desafio que a tokenização apresenta aos seus críticos (o que você representa?) é evidenciar de onde vem o seu dinheiro e para onde ele vai, evidenciar seus valores e prioridades frente à falta de estrutura de apelos baratos à boas intenções... Isso torna explicito o valor dos valores, estruturado tanto em termos de incentivos comportamentais financeiros e a linguagem quanto na formação de significados de seus participantes – e é isso que fornece aos DAOs um potencial epistemológico, ontológico e estético.11
Blockchains são frequentemente associados com criptomoedas, entretanto é muito mais interessante concebê-las como ordens constitucionais ou institucionais, isto é, um conjunto de protocolos nos quais indivíduos, empresas ou algoritmos interagem uns com os outros. Podemos estar falando da Bitcoin, Ethereum ou outro ecossistema de blockchain, a ideia central é basicamente a mesma: mercados de governança são criados, e aqueles que asseguram os protocolos para essa interação são recompensados com moedas. A concepção de incentivos (monetários) torna-se assim parte integrante dos sistemas técnicos dirigidos ao consenso. Nesse sentido, essa estrutura é uma máquina de governança escalável: o protocolo é a instituição. Desta maneira, as blockchains permitem a formação de todo um micélio digital, agrupamentos econômicos e um novo comum digital ou comum 3.0, com modos de governança e formas de simbioticamente codificar valores comportamentais que ainda serão inventados.
Neste sentido, é importante conceber as cripto-redes como uma tecnologia configuracional, ou melhor, instaurativa. O conceito instauração é chave aqui. Utilizo-o como uma forma de evitar as armadilhas relacionadas ao sentimento transcendental da palavra “instituição”. Instauração vem da filosofia estética de Etienne Souriau, e foi recentemente revisitada por filósofos como Bruno Latour, Isabelle Stengers e David Lapoujade. Este conceito trata de permanecer com a alegria e a angústia de trazer algo novo – e duradouro – para o mundo; testemunhar o evento da criação e aceitar transformar-se no processo. Instauração é sobre nos levar até formas irreversíveis: aceitar a captura e se tornar engrenagens de máquinas abstratas criadas por nós coletivamente.12
Alguns observadores do mundo da blockchain, incluindo Hito Steyerl, em um artigo premonitório publicado no início da onda crypto,13 sugerem que o mundo da arte pode ser concebido como um protótipo para a renovação cosmo-financeira – arte como uma moeda viva14. O mundo da arte é de fato um lugar onde a pluralidade de práticas incomensuravelmente criativas segue regras e protocolos diferentes, e figuram em processos opacos e complexos de controle e avaliação qualitativa e reconhecimento mútuo, encobertos pelo “mercado da arte”.15 Que tipos de futuro plural podem emergir através da reprogramação de nossos protocolos financeiros e sociais para interação? O campo emergente da cripto-economia baseada na blockchain poderia facilitar a criação de novas formas de alavancamento, isto é, formas cooperativas e implicativas de criação de mundo, nos quais diferentes espécies, tecnologias e formas de conhecimento poderiam gerar seus próprios loci de mistura intensiva?
É interessante ver como Hito Steyerl oferece uma perspectiva diferente, por vezes satírica, diante dessas perguntas. Ela trouxe respostas por meio de um experimento artístico que se relaciona com ativos NFTs16 (ver sua intervenção digital no Salão de Arte de Bonn).17 Ela também produziu uma instalação videográfica intitulada Animal Spirits (2022), que fazia parte do seu mais novo Documenta (apenas por um período limitado e controverso), e entrecruza Maynard Keynes digitalmente possuído por espíritos animais, um pastor anti-civilização vindo dos Pirineus tendo dificuldade com lobos de verdade, e Cheesecoin, uma blockchain misteriosa (e irônica) aproveitando o poder do queijo “Internet of stink” (internet do fedor).18 E finalmente, em um nível mais discursivo, e talvez fechando o ciclo com sua caracterização especulativa do mundo da arte como uma forma alternativa de criptomoeda, Steyerl também articulou uma crítica severa ao que ela chama de orientalismo de Blockchain, isto é, uma ênfase antissocial e “exoticizante” em pequenas comunidades de coproprietários e seus filtros preferidos de bolhas sociais sacrificando a própria ideia de espaço público.19
A crítica de Steyerl é acertada. A distinção entre comunidades digitais e a organização de captura – e exposição – de valor está se tornando, sem dúvida, mais nebulosa, com consequências diretas na maneira que concebemos bens públicos de maneira geral. Nesse contexto, a arte tem um papel importante, sintomático e ambivalente. Simultaneamente aponta para informalidade generativa da vida social, e processos de descoberta de modos de formalização – e financeirização – da socialidade. Um sintoma que está rapidamente envolvendo a condição digital é o status da palavra comunidade. Ignorante às complexidades de suas articulações filosóficas, a palavra comunidade se mostra como a nova queridinha dos investidores, de facto se tornando indiscernível de um novo tipo de formação de ativos. Utilizando as novas capacidades de abertura e permissibilidade de tecnologias de rede, uma nova geração de coletivos derivativos de arte está experimentando com a distribuição e coordenação de propriedade fractal e coletiva de obras de arte, e talvez mais importante, de processos artísticos diante de uma ampla gama de beneficiários com uma capacidade de escalar a produção sem precedente e com baixo custo de manutenção.
O mundo crypto está em uma encruzilhada. Algumas pessoas mantêm a esperança por uma renascença da arquitetura da governança das redes peer to peer (par a par) e ferramentas cripto-computacionais para empoderar uma multidão de insurreições e coletivos de participação mútua armados de novas garras financeiras. Outros argumentarão que a Web3 é uma jogada de marketing para um movimento de agrupamentos parciais pseudo-autônomos que no final irão ser capturados pelas empresas do capitalismo de plataforma (Web 2.0), naquilo que Tiziana recentemente definiu como o “Corporate Platform Complex” (Complexo Corporativo de Plataformas).20
Frequentemente, quando discutimos as novas potencialidades de redes crypto, a ênfase recai sobre a possibilidade de iniciar modos de captura do valor parcialmente autônomos. Todavia, de maneira a desafiar efetivamente a ordem capitalista de equivalência generalizada, nós devemos ter em mente que esses aparatos não funcionam apenas para capturar valor, eles são também, e talvez até de maneira mais fundamental, sobre comunicar e logo sobre expor valor. Uma proposta cosmo-financeira que seja digna desse nome não pode evitar uma questão simples, porém fundamental: o que efetivamente é exposto, e não meramente capturado, na nossa relação com o capital? Essa pergunta está no âmago da obra de Jean-Luc Nancy “Being Singular Plural”.21 De maneira sóbria, porém oracular, Nancy continua seu trabalho anterior, “la communauté désoeuvrée” (A Comunidade Inoperante), e explora mais a fundo a noção de ser-em-comum, esboçando o conceito posterior de comparution ou coaparecimento.22 Construindo sobre a analítica de Heidegger do Mitsein, Nancy inicialmente descreve a relação ontológica de seres singulares como “distribuída e localizada, ou espacializada, pela partilha que faz dos outros”.23 E, em discordância com conceito de Debord de espetáculo, ele apresenta a condição comum de co-aparecimento em sua relação intrínseca com o capital:
Deve ser dito, no entanto, que co-aparecimento talvez seja apenas outro nome para Capital. Também deve ser dito, que a crítica de classes do capital, até no seu estágio pós-marxista, não é suficiente para captar o que o capital expõe [...]. No mínimo, um pensamento do co-aparecimento deve despertar essa ansiedade.24
A questão do que o capital expõe é relativamente rara e requer desenvolvimento posterior. Ela escapa à clássica divisão marxista entre valor de uso e valor de troca, nos convidando a renovar a fé crítica que professamos. A questão sugere algo muito comum, e íntimo, tão comum como nossa transformação diária como moeda viva. Pense, por exemplo, tudo que é afetivamente colocado em movimento cada vez que postamos algo nas mídias sociais. Isto envolve quase que um senso inato de valor, uma espécie de branding instintivo, uma arte da captura de atenção e de exposição construída contando histórias, posicionamento estratégico da identidade e uma leitura social sagaz. Assim poderemos vislumbrar formações de capital e outras formas de incorporações coletivas de valor que não se prestariam imediatamente ao sistema econômico extrativista, ou nos termos hiperbólicos de Nancy:
Podemos aprender a lógica – a ontologia, a mitologia, ou a ateologia, caso se exija um nome – desse simples e inextricável aparecer-com? Isto é, dessa ecotecnologia que nossas ecologias e economias já se tornaram, especificamente os estados de equilíbrio em nossos ambientes e formas de gerenciar nossa subsistência?25
Gostaria de explorar as implicações deste aparecimento em todas suas relações constitutivas, ao mesmo tempo que conflitivas em relação a formação de ativos comunitários através de uma avaliação mais direta das forças que povoam o cripto-espaço; e mais especificamente, através das minhas implicações n’A Esfera, um projeto de criação de pesquisa explorando novas ecologias de financiamento para o circo e artes performáticas (www.thesphere.as). Como um empreendimento transdisciplinar, A Esfera pode ser pensada como um espaço de trocas mutualmente transformativas entre processos artísticos (fluxos de arte) e práticas de financiamento (fluxos de valor). A raiz do projeto vem da necessidade de cultivar um novo sentimento pela infraestrutura disposta ao desafio da organização na idade digital. Esse apelo experimental pelas infraestruturas corresponde ao que Geert Lovink chama de stacktivism, isto é, em intervenções populares que ameaçam monopólios das mídias sociais:
Stacktivismo é por definição abstrato e conceitual em sua natureza, saber que algoritmos são poder e poder é algoritmo. Stacktivistas assumem a tarefa de criar elos perdidos: eles são os compartilhadores de memes, os conectores de ideias, viajantes interculturais, networkers poli-disciplinares. A criação social de novos protocolos permanece ainda um ato de decisão comum.26
Inspirados pelas recentes inovações no campo da Web 3.0, A Esfera se debruça na redistribuição dos riscos e oportunidades de fazer arte facilitando o envolvimento criativo de um público de artistas, colecionadores e outras partes interessadas nos diferentes estágios da produção artística e de curadoria. Para facilitar esse objetivo, nós estamos desenvolvendo uma infraestrutura Web3, cujo objetivo é facilitar a auto-organização, iniciar colaborações criativas e implementar novas estratégias de financiamento. A Esfera está particularmente preocupada com a questão de como integrar os criadores, produtores, e o público em um fecundo ecossistema que facilita o alinhamento entre interesses e propósitos em um espírito de generosidade especulativa. O nome do projeto intuitivamente envolve essa ampla intenção ampla.
A Esfera, como qualquer projeto coletivo, é formada por uma constelação de práticas, perspectivas e interesses que às vezes convergem e outras vezes criativamente divergem uma das outras. Mundos que normalmente são mantidos em uma distância segura – o mundo do circo e o mundo das startups de blockchain e investidores, por exemplo – são repentinamente trazidos em uma intensa mistura. Acidentes certamente irão acontecer; encontros transformativos também. Para o contexto deste artigo, talvez a forma mais direta para apresentar a multiplicidade com que trabalha a construção d’A Esfera – ou melhor, A Esfera como uma comunidade derivativa – seja a forma acelerada de seu manifesto:
Nós, os modeladores d’A Esfera, viemos do mundo do circo contemporâneo. Nós também somos teóricos radicais, designers de mecanismos, artistas visuais, astutos27 gerentes de ativos, planejadores fugidios e muito mais. Nós estamos interessados em novas mídias e tecnologias web 3.0, e somos inspirados pelas práticas de construção de confiança, tomada de riscos e superação de limites impulsionadas por práticas circenses. A Esfera é um comum digital; uma interface cripto-econômica; um (an)arquivo orientado para as artes performáticas; uma máquina virtual de suporte; um portifólio de obrigações sociais e partes anárquicas; um polo de pesquisa e criação sobre estranhamento artístico e fluxos financeiros. No final das contas especulativas, nós ficamos cansados de escrever submissões para editais e trabalhar por migalhas. Então decidimos, com muita gente, reescrever o código interno do capital, e iniciar novas ecologias de financiamento para as artes. Nosso objetivo é criar um espaço com pele diferencial no jogo, um espaço onde a circulação e experiência de valor é sentida de maneira diferente. O que é melhor que as artes performáticas para fazer sentir como seguramos a volatilidade, como conseguimos engendrar padrões de generosidade especulativa até nos tempos mais precários. A comunidade circense é ligada por uma economia corporal: é uma conspiração que voa, gira, flutua ao ar livre e cultiva a capacidade de manejar os fluxos da vida, de maneira a reavaliá-los como uma nova forma de abundância. Essa reavaliação permite que o risco conte como sua própria recompensa, já que é garantido imediato valor pelo agrupamento criativo. Para deixar evidente: o tanto que gostamos da plasticidade de abstrações financeiras, nós não acreditamos em gerenciamento de risco de sofá. Nos abraçamos indeterminação alegre e alavancamos por todos os meios possíveis. Nos reclamamos, para nós mesmos e todos, o poder da metaestabilidade. Para reformular o espaço-jogo econômico para uma economia orientada para o propósito do comum, precisamos de dispositivos tecno-sociais e infraestruturas que operam no nível algorítmico, ferramentas de governança digital que permitem coordenação em escala. Isso é como A Esfera vai tomando forma, ao desenvolver técnicas para resistir ao achatamento de valores para além do economicamente viável, jocosamente adotando abordagens de front-end para navegar o inconsciente positivo – o back-end financeiro – da vida social.28 Nós acreditamos no charme discreto do precariado, na arte do belonging-in-becoming [tornar-se-em-pertencimento], no poder da confiança precursora para trazer novos mundos. A Esfera é o suporte (im)material dos nossos sonhos. A Esfera é nossa alma digital.29
Da perspectiva d’A Esfera Web3 e ecoando o brado de batalha stacktivista e alter-financeira de Lovink, uma coisa está estabelecida: o tempo de apenas reclamar da precariedade acabou. Nós precisamos nos engajar mais profundamente com a forma que sistemas monetários, aparatos financeiros e modelos de negócios realmente funcionam. Precisamos desenhar outros tipos de feedback loops [ciclos de retroalimentação], e imaginar outros modos de captura e exposição de valor que escapem do nó das abstrações econômicas reducionistas e do armazenamento de valor antissocial.
Considerando a natureza intrinsecamente especulativa do valor econômico e a dificuldade em verdadeiramente medi-lo (basta pensar nos desafios constantes da contabilidade de ‘ativos intangíveis/incorpóreos’30), a arte financeira de colher fluxos de valores futuros, os trazendo de volta ao presente, é um bom lugar para começar. Muitos pensadores e ativistas abraçaram o desafio de repensar a questão do valor da perspectiva financeira ou, mais especificamente, da perspectiva daquilo que a excede e a transborda. Brian Massumi, em diálogo com a Economic Space Agency (ECSA), e mergulhando sobriamente nas possibilidades abertas pelo design criptoeconômico, argumenta nas suas “99 Teses sobre a Reavaliação do Valor: um manifesto pós capitalista” que uma força auto-abstrativa e intensificadora, derivativos financeiros oferecem acesso a um futuro pós-capitalista e alter-econômico.31 Para Massumi, derivativos circulam por intensidades afetivas tanto quanto, ou até mais, que fundamentos clássicos da economia: a economia aparece como a “precária arte de surrupiar a ordem emergente do afeto.”32 Seria então míope simplesmente argumentar um retorno para a economia “real” como um corretivo do caos em voga. Ao invés disso, ele escreve: “é na esfera especulativa dos mercados financeiros que o motor processual capitalista mostra sua verdadeira qualidade (a sua corrida, em última análise, insustentável à procura de mais valia, alimentando o crescimento interminável e a acumulação desenfreada)”. A invenção das alternativas pós-capitalistas então depende, para Massumi, de como nós concebemos a lógica processual do que ele chama de mais-valia da vida: “como um motor de processos criativos se mantém fiel a sua missão de produzir mais-valia da vida para si mesmo, e ao mesmo tempo dá uma roupagem a si mesmo como um processo de mercantilização capaz de realizar uma interface com a forma dominante da economia em meios autossustentáveis?”33
A problematização de Massumi da produção de mais-valia é original e convincente de várias formas, e é merecedora de uma análise mais profunda. Seu entendimento processual de finanças é importante, na minha visão, para entender como o multiverso de valores da arte e práticas podem ser encarados a partir de um olhar econômico que não o achata no seu nascimento. O problema que vejo aqui, por agora, é se seguirmos Massumi muito de perto ao contrapor as forças da vida qualitativas a sua captura quantitativa, se torna difícil de localizar o problema da interface com a economia real na sua “materialidade” contingente e discreta. Assim, precisamos suplementar sua análise com uma pragmática de como instigar coreografias de valor (atuariais, diferenciais) com a pele em jogo. Em outras palavras: precisamos enfrentar o design de tokens e o tipo de exposição de valor derivativo que eles tornam possível.
As criptomoedas intencionam a captura da efervescência social de uma rede. Sua circulação e padrões de governança permitem a encriptação da socialidade de maneiras incidentais e criativas. Pensemos no token como uma força proposicional, um rastilho de potencialidade. é um porto multidimensional que pode germinar novas formas de partilha de relações e valor. Através da auto-emissão34, eles potencialmente convertem a simpatia dos participantes e praticantes em um poder semiofinanceiro generativo. Moedas também operam como uma forma de exposição coletiva aos riscos e oportunidades do “fora” econômico, trazendo, potencialmente, liquidez. Desta maneira, as moedas operam como derivativos de rede, incorporando o transbordar processual que coincide com o tornar-se-em-pertencimento comunitário, pela maneira que estabelece suas condições de apreciação e “futurização”.35
Essa arte cripto-financeira de estabelecer e projetar atratores para moldar a “futurização” pode ser descrita em termos de alavancagem, seguindo a definição precisa de Martin Koning: “Alavancagem é a forma que buscamos dar a nossas projeções fictícias uma qualidade performativa e autorrealizável [...] Alavancagem envolve o esforço de se posicionar como o ponto focal na lógica interativa da especulação, como um atrator no campo social.”36 Então: como A Esfera dá a volta em si mesma, transformando-se em um vetor de forma de mundo tecno social recursiva, e mais importante, precursiva, como uma alma digital?37 Ainda: como seus emissores centrais podem conferir a si mesmos a capacidade de arriscar e especular conjuntamente enquanto exploram formas de empoderar digitalmente, de modo alternativo, financeiramente, coletivos artísticos? Como açambarcar a formação desses quantitativos iniciais de impulso ascendente, de confiança precursiva, como A Esfera pretende criar, fazer a curadoria e capturar fluxos de arte e valor? Para jogar de maneira poética e desde o ethos circense do projeto, a ideia é levar A esfera do meio resoluto, mas não resolvido, de dentro de seu turbilhão de liquidez em formação; uma forma artística e conceitual de inicialização de liquidez, por assim dizer:
Todos podem ser designers de loops e apanhadores de fragmentos, de fato todos nós já somos. Para se juntar A Esfera como artistas nesse estágio é necessário trazer protocolos e estilos das nossas práticas de maneira que possamos projetar os loops d’A Esfera. Isso é a criação de pesquisa, pesquisa artística etc. Porque a estética do modelo regular de negócios é um sistema de disciplinas e conhecimentos separados, e nós não estamos interessados nisso.38
A passagem trata de uma sugestão astuta e rigorosa de Joel Mason durante a primeira série do Laboratório da Esfera, de como nos alegramos, como um coletivo disjuntivo em constante evolução, na arte precursiva de imaginar fluxos cosmo-financeiros.
Eles colecionaram experiências e sonhos, assim como planos para o futuro. A habilidade de coletar planos para o futuro é uma responsabilidade interessante, uma que dificilmente afeta o colecionador tradicional (curador ou historiador), mas que se torna inevitável ao colecionador de arte do imaterial. Live Forever! Collecting Live Art39
O que segue é uma descrição integral do The Karmic Funding Campaign, uma campanha NFT (Non-fungible Token) de crowdfunding na qual se tornou possível investir n’A Esfera e se tornar um coproprietário processual de sua Rede Derivativa de Arte ao Vivo (LAND - Live Art Network Derivative) em formação. A campanha foi baseada em uma ideia simples, mas provocadora: e se pudéssemos colecionar a arte feita ao vivo? Todo ciclo foi projetado durante um retiro no Performing Arts Forum (França). Sara DeVylder, Olle Strandberg, Cem Dagdelen, Laura Lotti, Joel Mason, Lene Vollhardt e eu fizemos parte do processo. O resultado é um protótipo de um comum (re)generativo para as artes performáticas através da criação de mecanismos de financiamento que “revive e deriva” a arte performática.40 Ao manter a linguagem usada na campanha para descrever o mecanismo, irá fornecer ao leitor uma sensação de quão vibrante e experimental essa aventura coletiva tem se desenvolvido até hoje.
Colecionar artes performáticas é um pouco paradoxal. Como você pode colecionar algo que apenas existe no momento? Como você pode fazer esse momento viver para sempre? Para além de comprar ingressos para os shows e seguir os artistas nas mídias sociais, há poucas maneiras que você pode realmente investir nas artes performáticas. Até agora. Inspirados pela “Plantoid”41 de Primavera De Filippi, uma forma de vida digital que se alimenta de criptoativos e se reproduz autonomamente, a Alma Digital da Esfera funciona como um reservatório automatizado – um pool comum digital – de acumulação de capital e distribuição direta para futuros artistas. A cada vez que uma obra de arte exposta na Metagaleria da Esfera recebe suficiente financiamento, ela cria recompensa para futuros artistas criarem interações derivativas. Como patrocinador e colecionador da Esfera, você cumpre um importante papel em ativar a pós-vida de performances ao vivo.
Quando você investe na Alma Digital da Esfera, você não apenas ajuda o trabalho de artistas: você se torna parte do trabalho artístico. Você se torna parte de uma rede de performances ao vivo e produção de arte que contem sua própria capacidade para crescimento sustentável. Você garante que performances futuras irão acontecer. Em outras palavras: você tem um fragmento ativo de uma emergente e inovadora rede de derivativos de arte.
Tivemos de começar o ciclo cármico da alma digital, em seu ciclo de derivação e renascimento em algum lugar. Cada fase da campanha é um fragmento vivo em uma coreografia social mais ampla de valor. Eles funcionam como módulos independentes que podem ser mobilizados de formas diferentes no futuro. Em novembro de 2021, nós lançamos uma chamada para artistas circenses participarem em um experimento coletivo da Web 3.0. Nossa chamada chegou aos mais laureados do CircusNext nos últimos 20 anos (CircusNext é uma plataforma europeia de apoio para programas e autores emergentes que reúnem 30 parceiros de 17 países). Das mais de 20 submissões, 6 companhias de circo foram selecionadas por meio de votações preferenciais envolvendo os parceiros oficiais d’A Esfera para participar na inauguração da Metagaleria da Esfera.
Em seguida vem o processo de enriquecimento: uma série de workshops com especialistas nos campos da blockchain, cryptoeconomia, novas mídias, arte e construção de NFTS que prepara as obras para sua jornada de futuro valor coletivo. A ideia é de que todos os trabalhos exibidos na Metagaleria possam se tornar um objeto de investimento por conta do endereço da Web 3.0 e da NFT evolutiva anexada a ele. Para os artistas, é a hora de se familiarizar com as engrenagens internas d’A Esfera e começar a imaginar como eles farão parte desse novo ecossistema.
Estamos interessados em reviver trabalhos anteriores, mas estamos ainda mais interessados em como esses trabalhos vão evoluir e gerar suas próprias linhagens derivativas no passar do tempo. Essa é a razão porquê determinados artistas são convidados a (an)arquivar suas performances preexistentes, isto é: transformá-las em campos abertos de intervenção para a futura interação com outros artistas. Pensemos nessa estrutura como uma cápsula do tempo endereçada para artistas futuros, reunindo propostas diferentes e permitindo que as limitações sejam interpretadas de maneiras imprevistas.
Esse mecanismo artístico, baseado no versionamento e revisão, desafia os modelos de criação de valor baseados em modelos restritivos de propriedade. Nossa aposta é que, ao facilitar e encorajar a multiplicação de interpretações, interações e variações em torno da performance original, sejam permitidas novas formas de auto-organização coletiva e governança. Essas novas formas de se estar juntos são emergentes e não lineares. Elas estão mais conectadas com os processos de criação de valor que já estão acontecendo entre nós e que o sistema econômico que temos não enxerga. No fim, eles expressam o compromisso mútuo e a participação coletiva que compõe nossa comunidade.
Os NFTs evolutivos d’A Esfera funcionam como testemunhos tangíveis da transformação da semente das performances enquanto elas são alteradas por colaborações criativas com novas gerações de artistas. Pensemos nelas em termos de marcas de proveniência: um dispositivo de memória viva que permite a distribuição de royalties aos artistas originais (e eventualmente os apoiadores) através da linhagem de interações derivativas.
A megaeleição é um jeito criativo de apoiar os artistas que estão expondo na Metagaleria da Esfera. Inclui centenas de aficionados em circos que vem de nossa rede extensa de parceiros europeus de circos, e o público investidor que opta por inserir algumas moedas no Motor Cármico.
Criamos a megaeleição como uma forma de permitir a participação de um grande número de pessoas no ecossistema d’A Esfera e sentir a faísca da alegria cripto-circense, até aquele sem uma carteira cripto. Junto ao DAO Black Swan, nós desenvolvemos um aplicativo compatível com o Discord que permite a participação de todos nessa alocação de fundos democrático.
O motor cármico é a infraestrutura central da Web 3.0 no ecossistema d’A Esfera. Projetado pela CurveLabs (https://www.curvelabs.eu), sua função principal consiste na autônoma governança e alocação de fundos. Também facilita a convocação de novos artistas e propostas criativas assim que um determinado limite de financiamento é atingido. Pense no motor cármico tanto como um porteiro da blockchain da Alma Digital da Esfera, e o veículo digital que assegura a pós-vida de performances e as conduz pelas jornadas transformativas de valor. Para ativar o portal de entrada do motor cármico, você precisa conectar uma carteira digital (e um pouco de ETH).42
Então, onde nós chegamos? Para além da acumulação de capital em si, a participação qualitativa e mútua é especialmente importante no estágio inicial desses projetos cujo único objetivo não é o lucro. A força proposicional da tokenização cosmo-financeira é frágil. Eu, como designer de tokens, sempre insisto em como devemos cuidadosamente zelar pela progressiva exposição “para fora”, que não significa automaticamente a exterioridade do chamado “mercado”. Penso aqui no mercado como um meio de contingência, com um tipo específico de efervescência social e carisma que deriva dele.43 Como a maioria dos trabalhos artísticos, as ações derivativas da rede de arte performática d’A Esfera provavelmente permanecerão ilíquidas por enquanto. A questão de liquidez e de propriedade líquida (fractal) é um assunto que desperta a atenção das pessoas e representa uma das promessas chave da cripto-economia. Mas também está carregada de dificuldades. Nós somos confrontados com dois tipos de exposição: a contingência radical do mercado e sua produção derivativa de liquidez por um lado, e a exposição qualitativa imanente de uma comunidade, entendida, em termos não imunitários, como sempre pronta para um lugar de exposição que funciona como sua própria recompensa, uma metaestabilidade coletiva, cujo valor é imediatamente fornecido pelo agrupamento criativo. Então, depois da comunidade que vem, talvez seja o tempo de visualizar algo como a comunidade derivativa? Tokens são instâncias de valor, mas apenas quando eles agem, simultaneamente, como relés fugidios para a modulação coletiva de valores. Conceber os tokens como transmissores especulativos pragmáticos é uma forma de percebê-los como gerados de efervescência coletiva. Por fim, e seguindo Randy Martin, o grande teórico da lógica social de derivativos, nosso foco é estabelecer as condições para que “a efemeridade da arte, tão alardeada e prontamente descartada, e da dança em geral (ou circo) em particular assumiriam uma generativa durabilidade, uma elaboração de tempo e espaço nos quais a coletividade ganharia e circularia sua própria moeda.”44
A Esfera trata de ativar uma atitude especulativa-pragmática impregnada com um cuidado pelo possível, isto é: abordando e caracterizando situações que colocam em evidência aquilo de que são capazes, atentos aos interstícios vivos e aos intercessores fugazes aos quais fornecem abrigo transitório. Nessa perspectiva, se expor (diferencialmente) não é apenas sobre a manutenção de interesses financeiros (nomeadamente as ações) em uma empreitada. Em todo caso, é uma forma de sinalizar que nossas capacidades afetivas são limitadas e deveriam ser utilizadas de maneira adequada. Elas devem ser tratadas e cultivadas como uma parte e uma parcela de uma arte de atenção imanente que leva à incorporação de valor, ou a espaços econômicos ou à formação de ativos coletivos. Como fazer florescer os quanta da confiança precursiva cuidadosamente depositada no nosso meio? A Esfera irá ter sucesso como uma máquina coletiva de partilha em formação, constantemente evoluindo e trazendo novas molduras em seus modos de implicação mútua, enquanto procura por maneiras de ativar formas de financiamento e ecologias esquizo-frágeis?
É nesse espírito, e de maneira a fechar nosso ciclo de financiamento cármico, que organizamos dois eventos em torno de rituais de governança (ou governança como ritual) com um componente autorreflexivo. Primeiro nos reunimos em um evento de LARP (Live Action Role Playing) de três dias no Contempo Festival 2022 (https://contempofestival.lt/) em Kaunas, Lituânia, chamado A Esfera 2033: Depois da dataficação da carne. Essa foi a ocasião para acionar auto criticamente o código d’A Esfera e seu futuro como uma DAO com artistas locais e membros do público.45 Mais tarde, no outono do mesmo ano, realizamos uma série de workshops de governança, cujo título coincide, até hoje, com nosso programa imediato e imediatizante: desenhamos um círculo mágico e crescemos na velocidade da confiança.46
Agora estamos em casa. Mas nosso lar não preexiste: foi necessário desenhar um círculo em volta de um centro frágil, para organizar um espaço limitado. Diversos componentes fizeram parte disso, paisagens e marcas de todos os tipos... Os componentes são usados para organização do espaço, não pela determinação momentânea do centro. As forças do caos são mantidas fora, na medida do possível, e o espaço interior protege as formas germinais de uma tarefa a completar ou um ato que deve ser finalizado.
Finalmente, abre-se uma fissura no círculo, que se abre completamente, deixa alguém entrar, liga para alguém ou sai de si mesmo, se projeta para frente. O círculo não se abre no lado que estão as velhas forças do caos, mas em outra região, em uma criada pelo próprio circulado. Como se o círculo tendesse a abertura para o futuro, como uma função das forças de trabalho que abriga. Desta vez, o objetivo é juntar forças com o futuro, forças cósmicas. é lançada a improvisação perigosa. Mas improvisar é se juntar ao mundo, ou se mesclar com ele.47
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